terça-feira, 8 de abril de 2014

OS 30 DIAS MAIS INESQUECÍVEIS DE 1964


No dia 31 de março de 1964 eu era repórter do jornal Última Hora/Nordeste e assessor de imprensa da prefeitura do Recife. O jornal apoiava o governador Miguel Arraes e o prefeito Pelópidas Silveira e eu me alinhava conscientemente nas diretrizes vigentes, fazendo a ponte entre as autoridades constituídas e a imprensa. À noite, o jornal foi cercado e invadido por um grupo de militares do Exército, que inicialmente pretendia prender todos os jornalistas mas, após negociação, concordou em levar apenas os chefes da redação e de reportagem, soltos tão logo esclarecido que não tinham vínculos com partidos políticos.
Antes de ser assessor de imprensa da prefeitura eu era setorista na Câmara Municipal, conhecendo todos os projetos de interesse do município e obviamente todos os vereadores, com quem conversava e entrevistava diariamente. 
Nos dias que se seguiram ao fechamento do jornal passei a frequentar a Associação de Imprensa de Pernambuco, na avenida Dantas Barreto, onde me supunha seguro, embora soubesse que jornalistas de todas as tendências também andavam por ali. A AIP dispunha de ótimo restaurante, para onde acorriam também intelectuais e artistas. Além disso, havia uma sala de bilhar e sinuca, ambiente de agradável convivência. Passava as tardes jogando com o amigo e colega Claudio Tavares e paquerando a filha dele, Eva, secretária da AIP. 
Certa tarde, comecinho da noite, ao sair do prédio e me dirigir ao parque 13 de Maio para encontrar outra namorada, fui seguido sem perceber por um jeep do Dops, quando alguém bateu no meu ombro e lascou  o tradicional "teje preso"!
Ao lado dos policiais encontrava-se o vereador José Silvestre, vingando-se do perigoso jornalista que denunciara esquema de corrupção. A Câmara Municipal destinava cerca de 5 mil cruzeiros para cada vereador gastar a seu bel-prazer. O próprio vereador fizera a denúncia e por causa de sua repercussão passou a ser odiado pelos demais. Com o golpe, passou a auxiliar a polícia no meu encalço e fez questão de me entregar pessoalmente ao temido delegado do DOPS, Álvaro da Costa Lima. 
Fiquei alguns dias num banco de madeira, lado a lado com outros presos, dormindo sentado. Depois fui transferido para um pequeno xadrez, de mais ou menos 4m2, conhecido como buque, que dividia com vários outros presos. Dormíamos no chão. A comida era uma marmita insuportável. Por isso, chegava a receber até três almoços, dois das namoradas e um de minha irmã Conceição. Dividia com os companheiros, claro.
Trinta dias depois fui chamado para um interrogatório em que as principais acusações eram pertencer à Associação dos Amigos  da União Soviética, ter ido a Cuba a convite de Francisco Julião e ser comunista, naturalmente. Como prova de minha perigosa atuação mostraram-me fotos de uma entrevista coletiva do governador Miguel Arraes no Salão Nobre do Campo das Princesas. Eu estava entre os entrevistadores. Em outra foto, eu aparecia ao lado de Caio Prado Júnior na Plaza de la Revolución José Marti, Havana.  
Dadas as devidas explicações fui solto com a recomendação de que não poderia me afastar de minha residência, pois seria chamado novamente. Queriam a todo custo que eu declinasse os integrantes da "base" dos jornalistas do Partido Comunista Brasileiro no Recife. Os nomes eram notórios, mas eles queriam colocar-me como informante. Recusei-me, logicamente, e insisti: sou apenas um jornalista. Alguns dias depois, os jornais estamparam a relação dos jornalistas do Partidão, segundo outro depoente. 
Ao deixar o buque da rua da Aurora viajei para Caruaru e de lá peguei uma Kombi com onze pessoas que iam fazer compras em São Paulo, onde moro até hoje, traumatizado pelos 30 dias mais inesquecíveis de minha vida. 

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