segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

MINHAS TROVOADAS


Milhares de pessoas se desesperam ao perder tudo por causa das chuvas. Outras, sofrem por tabela, imaginando o quanto sofreriam se perdessem o que acumulou durante vários anos com enorme sacrifício. Esse o clima que predomina em todos os lares no horário chamado nobre, quando a família se reúne e faz uma espécie de balanço de vida.

O que se passa na cabeça de cada um só se pode imaginar. Quem perde móveis, eletrodomésticos, roupas e demais bens materiais vai à loucura. Aceitam constrangidos a solidariedade e tentam se recompor.

Mal comparando, se as enchentes batessem à minha porta não encontrariam nada além de objetos corriqueiros, como os móveis de uso comum, de pouco valor. Durante 60 anos tudo o que juntei foram mágoas. Algumas vezes pisei fundo no acelerador tentando voar. Era tão ruim de pontaria que não conseguia acertar sequer o portão de minha própria casa.

Gostaria que as chuvas levassem as remotas lembranças da linha do trem que atravessava a cidade e o desfile das meninas de azul e branco que assistia da janela.

Anos e anos de trabalho com registro em carteira serviram para assegurar minha sobrevivência, mas não para salvar a minha vida. Não foram as chuvas de verão que me destruíram. Fui eu mesmo, com minhas próprias trovoadas.

 

SP 10/02/2025